Problema de valor inicial




Em matemática, um problema de valor inicial ou problema de condições iniciais ou problema de Cauchy é uma equação diferencial que é acompanhada do valor da função objetivo em um determinado ponto, chamado de valor inicial ou condição inicial. Em física, biologia e outras áreas, a modelagem de um sistema frequentemente resulta em um problema de valor inicial (também chamado de P.V.I.) a ser solucionado; nesse contexto, a equação diferencial é uma equação evolutiva especificando como o sistema evoluirá ao longo do tempo dadas condições iniciais.




Índice






  • 1 Definição


  • 2 Existência e unicidade de soluções


  • 3 Exemplos


    • 3.1 Exemplo: Oscilador Harmônico


    • 3.2 Exemplo: Circuito RLC com pulso de amplitude V0{displaystyle textstyle V_{0}}




  • 4 Ver também





Definição |


Um problema de valor inicial (P.V.I.) é uma equação diferencial da forma


{y′(t)=f(t,y(t))y(t0)=y0{displaystyle {begin{cases}y'(t)=f(t,y(t))\y(t_{0})=y_{0}end{cases}}}

Uma solução para um P.V.I. é uma função y{displaystyle y} que é solução da equação diferencial e satisfaz y(t0)=y0{displaystyle y(t_{0})=y_{0}}.


Em dimensões superiores, a equação diferencial é substituída por uma família de equações yi′(t)=fi(t,y1(t),y2(t),…,yn(t)){displaystyle y_{i}'(t)=f_{i}(t,y_{1}(t),y_{2}(t),dotsc ,y_{n}(t))}, e y(t){displaystyle y(t)} é um vetor n-dimensional da forma (y1(t),y2(t),…,yn(t)){displaystyle (y_{1}(t),y_{2}(t),dotsc ,y_{n}(t))}. Mais geralmente, y{displaystyle y} pode assumir valores em espaços de dimensão infinita, como o Espaço de Banach ou o espaço de distribuições.


P.V.I.s podem ser analisados em ordens superiores tratando as derivadas como uma função independente, e.g. y″(t)=f(t,y(t),y′(t)){displaystyle y''(t)=f(t,y(t),y'(t))}.



Existência e unicidade de soluções |


Para uma grande classe de P.V.I.s, a existência e unicidade de uma solução pode ser ilustrada através do uso de uma calculadora.


O teorema de Picard-Lindelöf garante a unicidade da solução em um intervalo que contém t0 se f é continua em uma região contendo t0 e y0 e satisfaz a condição de Lipschitz na variável y.


A prova desse teorema provem de uma reformulação do problema como uma equação integral equivalente. A integral pode ser considerada como um operador que transforma uma função em outra, de modo que a solução é um ponto fixo do operador. O teorema do ponto fixo de Banach é evocado para mostrar que existe um único ponto fixo que é solução do P.V.I..


Uma prova antiga do teorema de Picard–Lindelöf constrói uma sequência de funções que convergem para a solução da equação integral, e assim, para a solução do P.V.I.. Essa construção é chamada às vezes de "método de Picard" ou "método de aproximações sucessivas".


Hiroshi Okamura obteve uma condição necessária e suficiente para a solução do P.V.I. ser única. Essa condição tem a ver com a existência de uma função de Lyapunov para o sistema de EDOs.


Em algumas situações, a função f não é de classe C1, ou mesmo Lipschitz continua, então o resultado usual garantindo a existência local de uma solução única não se aplica. No entanto, o teorema de existência de Peano prova que mesmo para f meramente contínua, existem soluções locais; porém não há garantia de unicidade.[1][2]



Exemplos |


O problema de condição inicial


{dydx=yy(0)=2{displaystyle {begin{cases}{frac {dy}{dx}}=y\y(0)=2end{cases}}}

Resolução:


dydx=y{displaystyle {frac {dy}{dx}}=y}

dydx−y=0{displaystyle {frac {dy}{dx}}-y=0}

Pelo método do fator integrante, multiplica-se esta equação por e−x{displaystyle e^{-x}}:


e−xdydx−e−xy=e−x0{displaystyle e^{-x}{frac {dy}{dx}}-e^{-x}y=e^{-x}0}

O primeiro lado da equação pode ser simplificado usando a regra da cadeia d(f×g)dx=dfdx×g+f×dgdx{displaystyle {frac {d(ftimes g)}{dx}}={frac {df}{dx}}times g+ftimes {frac {dg}{dx}}}


d(ye−x)dx=0{displaystyle {frac {d(ye^{-x})}{dx}}=0}

Integrando os dois lados da equação, obtém-se:


ye−x=c1{displaystyle ye^{-x}=c_{1}}

com c1{displaystyle c_{1}} constante.


Isolando y, obtém-se então infinitas soluções para a equação diferencial, por causa da arbitrariedade de c1{displaystyle c_{1}}:


y(x)=c1ex{displaystyle y(x)=c_{1}e^{x}}

Porém, só existe uma única solução que satisfaz as condições iniciais:


y(0)=c1e0{displaystyle y(0)=c_{1}e^{0}}

2=c1{displaystyle 2=c_{1}}

Portanto, a solução (única) do P.V.I. é:


y(x)=2ex{displaystyle y(x)=2e^{x}}


Exemplo: Oscilador Harmônico |


No caso de um sistema massa-mola sem atrito e sem força externa atuando, ao aplicar-se a segunda lei de Newton, obtém-se a seguinte relação:


ma(t)=−kx(t){displaystyle ma(t)=-kx(t)}


Ou seja:


md2x(t)dt2=−kx(t){displaystyle m{frac {d^{2}x(t)}{dt^{2}}}=-kx(t)}


Onde m{displaystyle textstyle m} é a massa do oscilador, x{displaystyle textstyle x} é o deslocamento dessa massa em relação ao ponto de equilíbrio e k{displaystyle textstyle k} é a constante da mola.


Um dos métodos de se achar a solução dessa equação diferencial é usar transformada de Laplace. Aplicando a transformada de Laplace em ambos os lados da equação, obtém-se o seguinte:


mL{d2x(t)dt2}=−kL{x(t)}{displaystyle m{mathcal {L}}left{{frac {d^{2}x(t)}{dt^{2}}}right}=-k{mathcal {L}}{x(t)}}


Usando as propriedades da transformada de Laplace, a equação segue escrita como:


m(s2L{x(t)}−sx(0)−dxdt(0))=−kL{x(t)}{displaystyle mleft(s^{2}{mathcal {L}}{x(t)}-sx(0)-{frac {dx}{dt}}(0)right)=-k{mathcal {L}}{x(t)}}


De onde pode-se isolar o termo L{x(t)}{displaystyle {mathcal {L}}{x(t)}}:


ms2L{x(t)}−msx(0)−mdxdt(0)=−kL{x(t)}{displaystyle ms^{2}{mathcal {L}}{x(t)}-msx(0)-m{frac {dx}{dt}}(0)=-k{mathcal {L}}{x(t)}}


ms2L{x(t)}+kL{x(t)}=msx(0)+mdxdt(0){displaystyle ms^{2}{mathcal {L}}{x(t)}+k{mathcal {L}}{x(t)}=msx(0)+m{frac {dx}{dt}}(0)}


(ms2+k)L{x(t)}=msx(0)+mdxdt(0){displaystyle (ms^{2}+k){mathcal {L}}{x(t)}=msx(0)+m{frac {dx}{dt}}(0)}


L{x(t)}=msx(0)+mdxdt(0)ms2+k{displaystyle {mathcal {L}}{x(t)}={frac {msx(0)+m{frac {dx}{dt}}(0)}{ms^{2}+k}}}


L{x(t)}(ms2+k)=msx(0)+mdxdt(0){displaystyle {mathcal {L}}{x(t)}(ms^{2}+k)=msx(0)+m{frac {dx}{dt}}(0)}


L{x(t)}=msx(0)+mdxdt(0)ms2+k{displaystyle {mathcal {L}}{x(t)}={frac {msx(0)+m{frac {dx}{dt}}(0)}{ms^{2}+k}}}


Aplicando a transformada inversa de Laplace, obtém-se:


L−1{L{x(t)}}=L−1{msx(0)+mdxdt(0)ms2+k}{displaystyle {mathcal {L}}^{-1}left{{mathcal {L}}{x(t)}right}={mathcal {L}}^{-1}left{{frac {msx(0)+m{frac {dx}{dt}}(0)}{ms^{2}+k}}right}}


x(t)=x(0)L−1{msms2+k}+dxdt(0)L−1{mms2+k}{displaystyle x(t)=x(0){mathcal {L}}^{-1}left{{frac {ms}{ms^{2}+k}}right}+{frac {dx}{dt}}(0){mathcal {L}}^{-1}left{{frac {m}{ms^{2}+k}}right}}


x(t)=x(0)L−1{ss2+km}+dxdt(0)L−1{1s2+km}{displaystyle x(t)=x(0){mathcal {L}}^{-1}left{{frac {s}{s^{2}+{frac {k}{m}}}}right}+{frac {dx}{dt}}(0){mathcal {L}}^{-1}left{{frac {1}{s^{2}+{frac {k}{m}}}}right}}


Utilizando uma tabela de transformadas, a equação se escreve:


x(t)=x(0)cos(kmt)+mkdxdt(0)sin(kmt){displaystyle x(t)=x(0)cosleft({sqrt {frac {k}{m}}}tright)+{sqrt {frac {m}{k}}}{frac {dx}{dt}}(0)sinleft({sqrt {frac {k}{m}}}tright)}


Logo, é necessário definir as condições iniciais x(0){displaystyle x(0)} e dxdt(0){displaystyle {frac {dx}{dt}}(0)}



Exemplo: Circuito RLC com pulso de amplitude V0{displaystyle textstyle V_{0}} |


A equação que descreve tal circuito é dada por:




Potencial a um pulso unitário de amplitude 100V


V(t)=V0(u(t−a)−u(t−b)){displaystyle V(t)=V_{0}(u(t-a)-u(t-b))}




Onde u(t){displaystyle textstyle u(t)} é a função de heaviside



V(t){displaystyle textstyle V(t)} é dada pela Lei das malhas Kirchhoff como:


V(t)=Ldi(t)dt+Ri(t)+1Cq(t){displaystyle V(t)=L{frac {di(t)}{dt}}+Ri(t)+{frac {1}{C}}q(t)}




Dados L=1H{displaystyle textstyle L=1H}, R=2Ω{displaystyle textstyle R=2Omega } e C=1F{displaystyle textstyle C=1F} temos:


di(t)dt+2i(t)+q(t)=V0(u(t−a)−u(t−b)){displaystyle {frac {di(t)}{dt}}+2i(t)+q(t)=V_{0}(u(t-a)-u(t-b))}




Derivando ambos os lados da equação em relação ao tempo, obtemos:


d2i(t)dt2+2di(t)dt+i(t)=V0(δ(t−a)−δ(t−b)){displaystyle {frac {d^{2}i(t)}{dt^{2}}}+2{frac {di(t)}{dt}}+i(t)=V_{0}(delta (t-a)-delta (t-b))}




No passo anterior utilizamos o fato de que a derivada da função de heaviside u(t){displaystyle textstyle u(t)} é a função delta de Dirac δ(t){displaystyle textstyle delta (t)}, ou seja:


du(t)dt=δ(t){displaystyle {frac {du(t)}{dt}}=delta (t)}




Também lançamos mão dos seguintes conceitos de eletromagnetismo:


q(t)=∫0ti(t)dt{displaystyle q(t)=int _{0}^{t}i(t)dt}


dq(t)dt=i(t)−i(0)=i(t){displaystyle {frac {dq(t)}{dt}}=i(t)-i(0)=i(t)}


Onde utilizamos nossa primeira condição inicial: i(0)=0{displaystyle textstyle i(0)=0}




Aplicando a transformada de Laplace em ambos os lados da equação:


L{d2i(t)dt2}+2L{di(t)dt}+L{i(t)}=V0(L{δ(t−a)}−L{δ(t−b)}){displaystyle {mathcal {L}}left{{frac {d^{2}i(t)}{dt^{2}}}right}+2{mathcal {L}}left{{frac {di(t)}{dt}}right}+{mathcal {L}}{i(t)}=V_{0}({mathcal {L}}{delta (t-a)}-{mathcal {L}}{delta (t-b)})}


s2L{i(t)}−si(0)−didt(0)+2sL{i(t)}−2i(0)+L{i(t)}=V0(e−as−e−bs){displaystyle s^{2}{mathcal {L}}{i(t)}-si(0)-{frac {di}{dt}}(0)+2s{mathcal {L}}{i(t)}-2i(0)+{mathcal {L}}{i(t)}=V_{0}(e^{-as}-e^{-bs})}




Devido as condições iniciais, i(0)=0{displaystyle textstyle i(0)=0} e didt(0)=0{displaystyle textstyle {frac {di}{dt}}(0)=0} a equação se reduz a:


s2L{i(t)}+2sL{i(t)}+L{i(t)}=V0(e−as−e−bs){displaystyle s^{2}{mathcal {L}}{i(t)}+2s{mathcal {L}}{i(t)}+{mathcal {L}}{i(t)}=V_{0}(e^{-as}-e^{-bs})}




Isolando L{i(t)}{displaystyle textstyle {mathcal {L}}{i(t)}}:


L{i(t)}(s2+2s+1)=V0(e−as−e−bs){displaystyle {mathcal {L}}{i(t)}(s^{2}+2s+1)=V_{0}(e^{-as}-e^{-bs})}


L{i(t)}=V0(e−as−e−bs)(s2+2s+1){displaystyle {mathcal {L}}{i(t)}={frac {V_{0}(e^{-as}-e^{-bs})}{(s^{2}+2s+1)}}}




Manipulamos a equação de modo a chegar no formato de uma expressão tabelada:




Corrente devido a um pulso unitário entre t = 1 e t = 2 com V0 = 100V


L{i(t)}=V0e−as1(s+1)2−V0e−bs1(s+1)2{displaystyle {mathcal {L}}{i(t)}=V_{0}e^{-as}{frac {1}{(s+1)^{2}}}-V_{0}e^{-bs}{frac {1}{(s+1)^{2}}}}




Aplicando a transformada inversa:


i(t)=V0L−1{e−as1(s+1)2}−V0L−1{e−bs1(s+1)2}{displaystyle i(t)=V_{0}{mathcal {L}}^{-1}left{e^{-as}{frac {1}{(s+1)^{2}}}right}-V_{0}{mathcal {L}}^{-1}left{e^{-bs}{frac {1}{(s+1)^{2}}}right}}




Consultando uma tabela de transformadas de Laplace, obtemos o resultado:


i(t)=V0u(t−a)(t−a)e−(t−a)−V0u(t−b)(t−b)e−(t−b){displaystyle i(t)=V_{0}u(t-a)(t-a)e^{-(t-a)}-V_{0}u(t-b)(t-b)e^{-(t-b)}}


Onde utilizamos a propriedade do deslocamento no eixo t e deslocamento no eixo s



Ver também |




  • Teorema de Picard-Lindelöf, estabelece soluções para certos problemas de valor inicial.

  • Problema de condições de fronteira








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  1. Coddington, Earl A.; Levinson, Norman (1955). Theory of ordinary differential equations. New York-Toronto-London: McGraw-Hill Book Company, Inc. (Teorema 1.3)


  2. Robinson, James C. (2001). Infinite-dimensional dynamical systems: An introduction to dissipative parabolic PDEs and the theory of global attractors. Cambridge: Cambridge University Press. (Teorema 2.6)








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